Contextualização do BPC e necessidade de mudanças
O Benefício de Prestação Continuada, conhecido como BPC/Loas, é um programa de assistência social crucial para milhões de brasileiros em situação de vulnerabilidade. Atualmente, o benefício garante um salário mínimo mensal a idosos com 65 anos ou mais e pessoas com deficiência que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
No entanto, o programa tem enfrentado desafios significativos, principalmente no que diz respeito à sua gestão e fiscalização. A falta de revisões periódicas, conforme previsto em lei, e a suspeita de um alto índice de fraudes têm levado o governo a repensar a estrutura do BPC. Estima-se que as irregularidades possam atingir até 30% dos benefícios concedidos, um número alarmante que justifica a urgência das mudanças propostas.
Além disso, o aumento expressivo nas despesas com o BPC, especialmente notado a partir do segundo semestre de 2022, tem pressionado as contas públicas. Dados do INSS revelam que o gasto com o auxílio no primeiro semestre de 2024 alcançou R$ 44,076 bilhões, representando um aumento de 19,8% em relação ao ano anterior. O número de concessões do benefício também apresentou um salto significativo, crescendo 40% no mesmo período.
Principais mudanças propostas
O projeto de lei em elaboração pelo governo federal prevê uma série de alterações substanciais no funcionamento do BPC/Loas. Entre as principais mudanças propostas, destacam-se:
- Análise mensal de dados: Uma das medidas mais significativas é a implementação de um sistema de verificação mensal das informações dos beneficiários. Essa prática, já adotada em outros programas sociais como o Bolsa Família, permitirá um acompanhamento mais próximo e eficiente da situação socioeconômica dos beneficiários.
- Prova de vida anual: Será instituída a obrigatoriedade de uma prova de vida anual, utilizando tecnologias avançadas como reconhecimento facial e biometria. Essa medida visa garantir a autenticidade dos beneficiários e reduzir a possibilidade de fraudes.
- Atualização cadastral simplificada: Os beneficiários terão a opção de atualizar seus dados cadastrais por meio de um aplicativo de celular ou nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) dos municípios, facilitando o processo de manutenção das informações.
- Revisão eienal: O projeto busca retomar a prática de revisão dos benefícios a cada dois anos, conforme previsto em lei, mas que não vem sendo realizada de forma sistemática desde 2009.
- Integração com o CadÚnico: Será reforçada a exigência de que todos os beneficiários estejam devidamente inscritos e com cadastros atualizados no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico).
Essas mudanças visam não apenas combater fraudes e irregularidades, mas também modernizar o programa, tornando-o mais eficiente e alinhado com as necessidades atuais da população beneficiária.
Impactos esperados das novas medidas
A implementação das novas regras para o BPC/Loas deve gerar impactos significativos tanto para os beneficiários quanto para a gestão do programa. Entre os principais efeitos esperados, podemos destacar:
- Redução de fraudes: Com a análise mensal de dados e a prova de vida anual, espera-se uma diminuição considerável no número de benefícios concedidos irregularmente.
- Economia para os cofres públicos: A identificação e o corte de benefícios irregulares devem resultar em uma economia substancial para o governo federal, permitindo uma melhor alocação de recursos.
- Maior transparência: As novas medidas devem proporcionar maior clareza sobre quem realmente necessita e tem direito ao benefício, aumentando a transparência do programa.
- Agilidade nos processos: A atualização cadastral simplificada e o uso de tecnologias modernas devem tornar os processos de concessão e manutenção do benefício mais ágeis e eficientes.
- Possível aumento de contestações judiciais: Com critérios mais rígidos, é possível que haja um aumento no número de pessoas recorrendo à Justiça para comprovar seu direito ao benefício.
- Melhoria na focalização do programa: As mudanças devem contribuir para que o BPC/Loas atenda de forma mais precisa seu público-alvo, garantindo que o benefício chegue a quem realmente necessita.
Desafios na implementação das novas regras
Apesar dos potenciais benefícios, a implementação das novas regras para o BPC/Loas enfrenta uma série de desafios que precisam ser cuidadosamente considerados:
- Capacidade operacional do INSS: Um dos principais obstáculos é a limitação da estrutura do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para realizar avaliações regulares de benefícios temporários. Historicamente, o órgão tem enfrentado dificuldades em executar revisões periódicas conforme previsto em lei.
- Acesso à tecnologia: A proposta de atualização cadastral via aplicativo de celular, embora inovadora, pode representar um desafio para beneficiários idosos ou com deficiências que tenham dificuldade em utilizar dispositivos móveis.
- Sobrecarga dos Cras: Com a necessidade de recadastramento e atualização de informações, os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) podem enfrentar um aumento significativo na demanda por seus serviços.
- Critérios de renda: O limite de renda familiar per capita de um quarto do salário mínimo para concessão do BPC pode gerar controvérsias, especialmente em casos onde a renda familiar ultrapassa o limite por margens mínimas.
- Resistência dos beneficiários: Pode haver resistência por parte de alguns beneficiários em fornecer informações adicionais ou passar por novos processos de avaliação, temendo a perda do benefício.
- Coordenação entre Ministérios: A implementação das novas regras exigirá uma coordenação eficiente entre os Ministérios do Desenvolvimento Social e da Previdência Social, o que pode apresentar desafios logísticos e administrativos.
Medidas já em andamento
Mesmo antes do envio do projeto de lei ao Congresso Nacional, o governo federal já iniciou algumas ações visando a revisão e o aprimoramento do BPC/Loas:
- Reavaliação cadastral: Desde agosto, está em curso uma reavaliação dos cadastros dos beneficiários. Cerca de 505 mil pessoas foram convocadas para se inscrever no CadÚnico, das quais aproximadamente 200 mil já atenderam à convocação.
- Atualização de cadastros desatualizados: O governo está convocando 640 mil beneficiários que já estão inscritos no CadÚnico, mas não atualizam seus cadastros há mais de 48 meses.
- Bloqueio de pagamentos: Recentemente, 400 mil pessoas que recebem o BPC/Loas e não estão no CadÚnico tiveram seus pagamentos bloqueados. O desbloqueio está condicionado à atualização do cadastro dentro das regras do programa.
- Análise de perfil de renda: Outras 380 mil pessoas inscritas no CadÚnico, mas que não atendem ao perfil de renda para receber o benefício, também terão seus pagamentos bloqueados nos próximos dias.
Essas medidas preliminares já demonstram o compromisso do governo em aprimorar a gestão do BPC/Loas, preparando o terreno para as mudanças mais amplas propostas no projeto de lei.