O governo federal enfrenta dificuldades para implementar medidas que impeçam o uso indevido dos recursos do Bolsa Família em apostas esportivas online. A Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir esclarecimentos sobre a decisão que exige ações para bloquear o uso do programa social em atividades de risco, como as apostas virtuais.
O contexto da decisão do STF
Em novembro de 2024, o ministro Luiz Fux, do STF, determinou que o governo criasse mecanismos para evitar que o dinheiro do Bolsa Família fosse desviado para apostas esportivas. A decisão foi tomada após uma preocupação crescente com o impacto das apostas online na população de baixa renda, especialmente nas famílias beneficiadas pelo programa. O STF, em votação unânime, confirmou a necessidade de medidas que garantissem que os recursos do Bolsa Família não fossem utilizados para atividades de risco, como o jogo online.
Porém, apesar da decisão, o governo enfrenta desafios práticos para implementar tais medidas. A AGU, em um recurso protocolado no STF, argumenta que existem barreiras significativas para garantir o cumprimento da determinação.
As dificuldades apontadas pela AGU
A AGU levantou vários pontos críticos no recurso. Em primeiro lugar, a União afirma que as contas bancárias vinculadas ao Bolsa Família não são exclusivas para os benefícios do programa. Ou seja, as famílias podem usar essas contas para receber outros tipos de recursos, como salários de empregos informais ou autônomos. Isso torna difícil monitorar de maneira eficaz o uso dos recursos, uma vez que o governo não tem como saber para onde o dinheiro está sendo destinado.
Além disso, a AGU destaca que o governo não tem condições de realizar um “microgerenciamento” dos gastos de cada família. Não seria possível, por exemplo, controlar individualmente como cada beneficiário utiliza o dinheiro recebido. O governo também afirma que não é viável compartilhar a lista de beneficiários do Bolsa Família com as plataformas de apostas, o que poderia ajudar a impedir o uso dos recursos em apostas.
A AGU também aponta que, mesmo que o governo proibisse o uso de cartões de débito associados ao Bolsa Família, ainda assim seria possível utilizar outros métodos de pagamento, como o PIX ou cartões pré-pagos, para apostar em plataformas de jogos. Isso tornaria a proibição ineficaz, pois esses métodos de pagamento não estão necessariamente vinculados às contas do Bolsa Família.
Preocupação com a proteção social
Apesar das dificuldades práticas, o governo compartilha da mesma preocupação com a saúde financeira e o bem-estar das famílias vulneráveis. A AGU deixou claro em seu recurso que as premissas da decisão do STF, que visam proteger as famílias de baixa renda, são amplamente apoiadas. O governo entende a necessidade de proteger as pessoas mais vulneráveis, especialmente no que diz respeito à saúde mental e ao impacto negativo que as apostas podem ter, principalmente sobre crianças e adolescentes.
No entanto, a AGU argumenta que, devido às complexidades do sistema bancário e das ferramentas de pagamento, seria muito difícil implementar um controle rigoroso para impedir que os recursos do Bolsa Família fossem usados para apostas esportivas. A Advocacia-Geral pede, portanto, que o STF esclareça esses pontos, levando em consideração as limitações práticas de implementação das medidas.
O que disse o Ministério do Desenvolvimento Social?
O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), que opera o Bolsa Família, também destacou as principais dificuldades em relação à implementação da decisão. De acordo com o MDS, as contas bancárias vinculadas ao programa não são exclusivas para o recebimento do Bolsa Família. Ou seja, as famílias podem receber salários, rendas autônomas e outras fontes de dinheiro na mesma conta onde o benefício é depositado.
Essa flexibilidade, embora seja importante para o sustento das famílias, cria desafios para o governo em termos de controle do uso dos recursos. O MDS cita um estudo do Banco Mundial que aponta que a grande maioria dos beneficiários do Bolsa Família, especialmente os homens (83%) e as mulheres (41%), possuem fontes adicionais de renda. Isso significa que, para o governo, não é operacionalmente viável distinguir entre a renda proveniente do trabalho e o benefício do Bolsa Família.
Além disso, o MDS lembra que tentativas passadas de monitorar os gastos das famílias, como o Programa Fome Zero, não foram bem-sucedidas. Essas tentativas evidenciam a dificuldade de implementar controles rigorosos em programas nacionais, dada a diversidade de situações e a realidade econômica de cada família.
O pedido de esclarecimento ao STF
Em seu recurso, a AGU pede que o STF reconsidere ou forneça um esclarecimento adicional sobre a decisão, considerando os desafios práticos apontados pelos órgãos envolvidos. A Advocacia-Geral argumenta que, embora a intenção de proteger as famílias vulneráveis seja legítima, a implementação das medidas exigidas pelo STF encontra obstáculos técnicos que precisam ser discutidos com mais profundidade.
O pedido foi protocolado na noite de quinta-feira (12 de dezembro) e agora será analisado pelo ministro Luiz Fux. O ministro tem a opção de decidir sozinho ou submeter o caso novamente ao plenário do STF. Ainda não há um prazo definido para a decisão.